Há alguns anos, quando o tema “transformação digital” era ainda questão que povoava somente o mundo de pessoas ligadas a tecnologia e ao universo virtual, para mim parecia mais uma questão ligada aos livros e filmes de ficção científica: algo do futuro, ainda longe da realidade prática da vida.
E como tudo tem o seu tempo e o tempo atualmente acontece em velocidade exponencial, o tema chegou em conversas de áreas não tão convencionais, causando certo desconforto e estranheza, visto que ainda somos, em grande maioria, bastante analógicos.
Pois a tecnologia, para citar apenas alguns exemplos na minha área de atuação – a sustentabilidade – se encontra na ecoeficiência dos negócios, na redução de impactos ambientais, assim como do consumo de bens naturais; nas Cidades Inteligentes (hoje Smart and Sustainable Cities – novo termo usado, me dizia uma especialista desta área), que com o uso intenso de tecnologias de comunicação e informação na gestão pública, criam melhorias nas condições da vida cotidiana; na nova febre dos weareables devices (os equipamentos de uso pessoal para vestir), que apontam para eficiências voltadas à própria saúde, como monitoramento de raios UV, a poluição do ar e outras questões relacionadas ao bem-estar humano.
Já em termos organizacionais, buscando ir além da ecoeficiência dos processos – o sentido mais básico da sustentabilidade, dada a urgência da agenda ambiental relacionando-a inclusive a lucratividade dos negócios – vou citar uma das questões que me aponta um caminho interessante e que precisa ser aprofundado, inclusive com indicadores internacionais para monitoramento, no caminho da transformação digital: a presença de mulheres nas áreas de tecnologia.
Começando pelo panorama da agenda de sustentabilidade global – a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU – “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas” é um dos desafios que ainda precisamos enfrentar (este é o ODS 5). E cito aqui a meta 5.1, de “Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte.”
Nessa jornada, as perguntas essenciais entram no âmbito de “qual a disposição e prontidão da empresa para abranger o tema mulheres no ambiente de tecnologia?”; “Quantas mulheres compõem o nosso quadro de funcionários, nessas áreas?”; e as mais profundas “Qual a quantidade de mulheres que permaneceram nessa área após retorno de licença maternidade? Quantas permaneceram após um ano do retorno?”; “Como se dá a ascensão de carreira das mulheres nessas áreas?” e “Existem mulheres líderes?”.
Tendo já vivenciado essa situação como responsável por fazer esses questionamentos, afirmo que a barreira não está no reconhecimento dos dados, identificados por meio da tecnologia, mas no modo que esses dados são avaliados e as ações realizadas para alterar as situações que estão postas: difícil é perfurar o universo das crenças e vieses inconscientes pessoais, que refletindo no ambiente organizacional. E isso se dá no universo analógico.
Enfim, ainda estamos caminhando em busca das soluções para temas que nem deveriam mais ser um ponto de debate, que vão além das questões organizacionais – fazem parte do nosso modo de viver em sociedade e da nossa visão do mundo.
Sobre a transformação do analógico para o digital, a ponte fundamental para o uso do potencial positivo das tecnologias corresponde a uma citação que sempre preciso ler duas vezes para compreendê-la em sua totalidade:
“A qualidade dos resultados criados por um sistema é uma função da conscientização a partir da qual as pessoas do sistema operam.” Otto Scharmer (professor titular do Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Autora: Patricia Rabello
